quinta-feira, novembro 21, 2024

Arte autoral urbana será o ponto de cor do mirante Lúcia Almeida em dois grandes painéis

“O mundo está de olho aqui. Por muitos anos, Manaus, o Amazonas, o Norte, estiveram absorvendo coisas de fora. Chegou a hora de mostrar as nossas coisas de dentro para o mundo afora”. A frase é do escritor de grafite Raiz, nascido Rai Campos, artista criado na Vila do Pitinga, em Presidente Figueiredo (AM), dentro da área indígena waimiri-atroari, e que, hoje, assina dois grandes painéis na obra do mirante Lúcia Almeida, programa do “Nosso Centro”, da Prefeitura de Manaus. O projeto arquitetônico é do Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb) e os recursos são do Tesouro municipal.

Com o dedo no spray para grafitar as duas grandes empenas na entrada principal do prédio, Raiz conta com a parceria de mais três artistas, Israel Teo, Paulo Korok e Manoel Smit, que juntos vão dando vida a expressões amazônicas, animais da floresta, personagens e símbolos indígenas, peças caboclas, tudo que o imaginário desta rica região proporciona na fauna, flora e sua gente, que vai ganhando vida no grafite, em traços, cores, técnicas mistas e muito respeito.

“O mirante por si só é uma obra de arte, o projeto arquitetônico, a estrutura, o teto todo em madeira. Então, poder complementar com arte urbana, essa arte democrática, arte que o povo vê todo dia e gosta, para mim, é de suma importância. É uma felicidade pessoal, profissional, mas também importante para a cidade, já que é para a cidade essa obra. A galera vai se identificar com essas imagens. São dois grandes murais, que são estruturas grandes da construção, e vamos ter diversas artes menores espalhadas e inspiradas na nossa cultura, no nosso dia a dia”, contou Raiz, entre latas e andaimes.

Um dos murais está praticamente concluído, aguardando finalização e alguns retoques, para receber uma camada de verniz acrílico. Nele, a equipe mostra o potencial da floresta amazônica e seus animais, especialmente. “Vamos trazer os indígenas, vamos trazer a nossa cultura do boi, até o “x-caboquinho”, o guaraná, aquilo que a gente se identifica e que a gente tem orgulho de dizer que é amazonense, que tem orgulho de ser. Estou muito feliz de poder contribuir para essa cidade, que tanto acolhe todo mundo, que tanto dá oportunidade”.

Raiz adiantou que teve carta branca para criar, originalmente, as artes dos painéis, que vão se integrar, como uma grande tela única, fazendo a conexão entre a construção atual e seu entorno, tendo o rio Negro às margens. Em menos de duas semanas, as artes devem estar todas finalizadas e poderão ser apreciadas de todos os andares do mirante, assim como de quem estiver do largo de São Vicente ou do casarão Thiago de Mello. Será o ponto de cor do novo complexo que está sendo construído pela prefeitura no Centro da capital.

Inspiração

Padrões geométricos dos traços da cultura indígena, a medicina dos elementos da floresta, a Amazônia pura. Essas são algumas inspirações de Raiz nos seus grafites autorais. “A minha religião é amazônica, a minha casa é aqui. Tudo isso vira elemento para compor a minha vida, a minha arte. Meu estilo também traz muita coisa psicodélica, cores vibrantes, muitas fotografias emocionantes, porque eu também gosto de fotografia. O trio que está comigo é um trio de artistas, eles tem os seus estilos próprios, possuem sua originalidade, sua caminhada e isso é muito bonito de ver. A diversidade que tem de estilos de artista e de histórias que são contadas através dessas tintas”, completou.

E originalidade é o que não vai faltar na arte das empenas do mirante, uma assinatura marcante de Raiz, que ele carrega desde quando começou na cultura do grafite, há 19 anos. “O grafiteiro não se identifica apenas pelo nome, pelo código que ele usa, mas, sim, pelo próprio estilo que ele vai fazer. A originalidade no grafite é muito importante. Já passei por várias transformações. E o meu estilo, além de trazer os temas amazônicos, que são recorrentes no grafite manauara, tem o realismo, mais fluído e com camadas. Ele não é um realismo puro, mas uma arte mais solta, contemporânea, ligada à arte urbana raiz”, completou o escritor de grafite.

Gratidão

A arte autoral e exclusiva para o mirante foi pedida para dar cor e mais vida à construção de reabilitação do prédio, que foi a antiga sede da Companhia Energética do Amazonas (Ceam), e já estava nos planos desde o projeto arquitetônico.

“Desde o início, a ideia era deixar a paleta de cores do prédio a mais neutra possível e utilizamos muito o cinza, do concreto, a estrutura metálica pintada de preto, o próprio forro de madeira, que acaba conferindo uma textura mais natural e dando neutralidade, porque o colorido realmente serão dos murais. O próprio piso, a marcação dos quiosques, lojas, restaurantes, das escadas, tudo foi pensado, para que o colorido do prédio fosse a arte urbana. E o detalhe é conseguir admirar de perto, dentro do mirante, de vários ângulos, nos níveis, até mesmo de fora”, explicou o diretor de Planejamento Urbano (DPLA) do Implurb, o arquiteto e urbanista Pedro Paulo Cordeiro.

Para Raiz, receber as duas telas em branco para fazer uma arte autoral foi uma grande felicidade, deixando sua imaginação livre para voar. “Normalmente a gente tem que se adequar aos pedidos do cliente, mas, desta vez, demonstraram um carinho e confiança total. E tem sido uma grande troca aqui com o Pedro Paulo e com a equipe da RED Engenharia (construtora licitada), dando total apoio. E estamos muito felizes de fazer este trabalho”.

História

Do menino da Vila de Pitinga ao jovem artista que faz obras ao vivo durante um festival em Washington (EUA). Esse é Raiz, que antes de iniciar o mural do mirante estava expondo suas obras feitas em esteiras indígenas no RiverRun Festival, no Centro Cultural Kennedy Center.

Em uma fusão das artes indígena e urbana, Raiz levou esteiras grafitadas. “Um caboclo do interior da Amazônia poder chegar lá, por meio da arte, é muito importante. E o evento tem tudo a ver com meu trabalho, falando de arte, ciência, meio ambiente e de como podemos ter todas essas áreas para falar sobre preservação. Isso faz parte do meu trabalho, levar a conscientização pela arte. Para que tudo isso não fique só nas imagens. Que isso não fique só nos murais, e sim que a gente possa preservar para filhos, netos, e gerações para que vivam essa beleza”, concluiu.

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