Levantamento divulgado nesta segunda (29) pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) quantifica o impacto da pandemia de Covid-19 nas cirurgias de câncer em geral e nos exames de rastreamento populacional de câncer de mama, próstata, colorretal e colo do útero no Sistema Único de Saúde (SUS). A partir da base de dados TABNET/DataSUS, do Ministério da Saúde, a SBCO identificou que, comparado com 2019, foram realizadas 19.111 cirurgias oncológicas a menos em 2020, 15.450 a menos em 2021 e 19.254 a mens em 2022. Os dados de 2022 consideram os números disponíveis até junho, desconsiderando julho e agosto por conta de dados que podem ainda não ter subido nas bases do DataSUS.
Somando o represamento dos anos de 2020 e 2021 e o primeiro semestre de 2022 – tendo como base o ano de 2019 (o último antes da pandemia) – são 53.815 cirurgias oncológicas que deixaram de ser realizadas durante a pandemia no Sistema Único de Saúde. “O maior complicador é que não houve redução do número de casos de câncer. O que ocorreu foi o represamento destas cirurgias. E muitas, que foram realizadas, chegaram para em fase mais avançada”, alerta o cirurgião oncológico e presidente da SBCO, Héber Salvador.
O especialista observa que os pacientes estão chegando com tumores maiores e mais agressivos, o que exige procedimentos mais extensos e qualificação profissional. Embora o panorama esteja melhorando, por conta da queda dos números da pandemia e avanço da imunização contra Covid-19, é missão da SBCO trabalhar pela retomada dos cuidados e exames periódicos e que a população tenha, em dia, a sua mamografia, toque retal, colonoscopia, dentre outros exames de rastreamento, assim como os meninos e meninas vacinados contra o vírus HPV.
Até 2040, a demanda por cirurgias relacionadas ao câncer, segundo estudo publicado na revista The Lancet, deve aumentar 52%, chegando a 13,8 milhões de procedimentos nos próximos 20 anos. Para dar conta desse cenário, estima-se que quase 200 mil cirurgiões e 87 mil anestesistas adicionais sejam necessários para cumprir o desafio. Além disso, também será preciso melhorar sistemas de saúde para evitar mortes decorrentes de complicações pós-operatórias.
QUEDA DOS EXAMES DE RASTREAMENTO DE CÂNCER
A estimativa do Instituto Nacional de Câncer (INCA), anunciada antes da pandemia, era que seriam registrados 626 mil novos casos de câncer por ano no Brasil no triênio 2020/2022. Os dados levantados no DataSUS apontam que, exclusivamente no sistema público, foram 351 mil novos casos diagnosticados em 2020 e 368 mil novos casos em 2021. Antes da pandemia, em 2019, foram 386.485 novos casos.
A SBCO, a partir do TABNET/DataSUS, levantou como a Covid-19 refletiu no rastreamento de câncer. O programa de screening, denominado no Brasil como rastreamento, é o conjunto de métodos aplicados para o diagnóstico precoce do câncer ou descoberta de lesões pré-cancerosas em determinada população que não apresenta sinais ou sintomas de câncer. Como base nisso, a entidade levantou os dados de biópsias de mama e próstata, assim como de colonoscopia e Papanicolau.
Foram realizadas 43.045 biópsias de mama em 2019, caindo para 34.889 em 2020 e uma retomada em 2021 para 41.005, refletindo em 10.186 biópsias a menos nos dois primeiros anos da pandemia. No mesmo período, houve o represamento de 14.123 biópsias de próstata. Essenciais para retirar lesões pré-malignas no intestino grosso, foram 148.111 colonoscopias represadas no período. Já o exame de Papanicolau, por conta de seu volume de procedimento, registrou a mais alarmante: mais de 2,2 milhões de exames a menos em 2020 e 2021.
2019
2020
2021
Total represado em 2020/2021
Biópsias de mama
43.045
34.889
41.005
10.186
Biópsias de próstata
40.408
31.888
34.805
14.123
Colonoscopia
347.098
241.329
304.756
148.111
Papanicolau
3.286.173
1.893.794
2.471.989
2.206.563
UM PROBLEMA QUE SE FAZIA PRESENTE ANTES DA PANDEMIA
Antes da pandemia, o câncer já gerava preocupação em todo o mundo por conta de gargalos no diagnóstico, com altas taxas de tumores avançados até mesmo para tipos de câncer que possuem exames de rastreamento como mamografia, colonoscopia e Papanicolau. Além da descoberta tardia, que aumenta a complexidade do tratamento e custos e reduz as chances de cura, havia também a perspectiva do exponencial aumento da incidência da doença em duas décadas. Quando Covid-19 ainda não era pauta mundial, a projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS) era de 19,3 milhões de casos em 2020 e um salto de 64,1% em 20 anos, ou seja, atingindo a marca de 30 milhões de novos casos em 2040.
Paralelamente, no Brasil eram esperados que entre 2020 e 2022 houvesse cerca de 625 mil novos casos de câncer por ano. Considerando uma média de 60% de aumento em duas décadas, chegaríamos à alarmante marca de 1 milhão de novos casos/ano em 2040 no país. Com a chegada da Covid-19, o câncer não deixou de existir. Pior que isso, a doença evoluiu em agressividade, pois houve a drástica redução de exames e visitas /revisões com médicos e especialistas que poderiam diagnosticá-la precocemente. Diante deste cenário, com a proposta de conscientizar a população sobre a importância do cuidado com a saúde, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) lançou a campanha Não dá para esperar. Cuide-se. O câncer não ficou de quarentena.
O cirurgião oncológico e presidente da SBCO, Héber Salvador, explica que a ação será um movimento permanente. “Vamos desenvolver inúmeras ações com o propósito de conscientizar a população a estar atenta aos sinais do corpo, aos exames indicados para sua faixa etária e, aos pacientes oncológicos, que não negligenciem o tratamento. Será um movimento permanente, que irá abraçar as demais campanhas que já são tradicionais ao abordar tipos específicos de câncer, como o Setembro Lilás, Outubro Rosa, Novembro Azul e Dezembro Laranja. Além disso, temos também a tradicional Ação Nacional de Combate ao Câncer da SBCO também em novembro”, detalha Héber Salvador.
Com a campanha 360º, que envolve conteúdo multimídia e qualificado nas mídias digitais e ações externas com a população, a campanha, além de conscientizar a população, visa engajar os mais de 1400 cirurgiões oncológicos membros da SBCO. Paralelamente, é essencial também a atuação multiprofissional. “Precisamos lutar pela maior oferta do ensino de Oncologia em todas as faculdades de Medicina do país e que esta disciplina também figure na grade curricular de outras áreas de saúde, essenciais para o cuidado multidisciplinar do paciente oncológico, como Fonoaudiologia, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia, Enfermagem, dentre outras. Os médicos e os demais profissionais da saúde precisam aprender a pensar oncologicamente. Com isso, a população será mais bem assistida por eles em todas as etapas, da prevenção à reabilitação pós-tratamento”, vislumbra Héber Salvador.
Sobre a SBCO – Fundada em 31 de maio de 1988, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) é uma entidade sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria, que agrega cirurgiões oncológicos e outros profissionais envolvidos no cuidado multidisciplinar ao paciente com câncer. Sua missão é também promover educação médica continuada, com intercâmbio de conhecimentos, que promovam a prevenção, detecção precoce e o melhor tratamento possível aos pacientes, fortalecendo e representando a cirurgia oncológica brasileira. É presidida pelo cirurgião oncológico Héber Salvador (2021-2023).